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segunda-feira, 22 de abril de 2013

Sinestesia

Rue de Lappe, Paris, Outubro de 2012

Fotografar não é uma grande paixão minha. Congelar, mostrar, guardar imagens. Não fotografo bem.
Tenho que limitar meus outros sentidos para focar na visão. Não que minha memória seja fotográfica. Não é. Depois sempre peno para lembrar fatos, descrever situações, lugares. Mas... para quê mesmo?

Minha memória é toda sentidos, sensações, sentimentos. Guardo o que senti. Na pele, nos olhos, no coração, nas mãos, na alma. Guardo cheiros, paladares, frios, calores, sons, vozes, calafrios. Guardo arrepios. Meus outros sentidos me roubam o olhar. Nunca consigo descrever. Não consigo lembrar por onde passei, como fui, como cheguei, que direção tomei...

Meus sentidos estão todos aguçados. Lembro se chovia, se fazia frio, se tinha raios de sol. Lembro se o sol batia no meu rosto... e no seu. Se as pessoas andavam encolhidas ou abertas, se sorriam ou estavam cinza. Não esqueço um sorriso largo, um semblante triste, uma criança brincando e suas risadas. Barulho de carros me dispersa, conversas paralelas me confundem. Levo meus sentidos todos aguçados. Folhas caindo de árvores me chamam, pedras na praia me distraem, horizontes levam meu pensamento para passear. 

As imagens esculpidas nas fachadas antigas me remetem às suas histórias. Rostos têm sentires fartos. Não me interessa como foi feito, de que material, qual técnica, quem esculpiu... ou quando. Quero o que representa. Se não sei, imagino. Me serve. Me basta. Crio na mente os porquês de seus semblantes graves, assustados, vazios, vazados. Não ando pelas cidades a decorar caminhos. Se um dia voltar, os descubro de novo. É meu encanto: sentir de novo o espanto da descoberta. 

Ando pelas cidades para sentir seus ares. Sentir e reviver sua história. Nunca sei por onde passei. Não sei contar o que vi. Só conto o que senti. Não me peça mais que isso. 

Só (me) reconheço nos sentidos. Por favor, não alimente ruídos.

AnaCris Martins

Um comentário:

Bessa disse...

E, portanto, esta foto não está nada má. Uma ligeira correção nas zonas sombreadas e ela fará um belo cartão postal de uma rua.

O texto também está muito bom. Parabéns, não alimentarei ruídos.

Saudações literárias,
André