“Cada
vez foi ficando mais claro para mim que a humanidade se divide nesses dois
grupos em todos os aspectos: o egoísta, que recebe mais do que dá, e o
generoso, que dá mais do que recebe. E que a generosidade não é virtude, mas um
falha tão grande quanto o egoísmo”, constata. “O egoísta não tolera frustrações
e contrariedades, é mais estourado e agressivo e procura sempre arrumar um
jeito de levar vantagem, porque a vida dura não é parte de seu psiquismo. O
generoso, por sua vez, não consegue dizer ‘não’ quando solicitado porque não
saber lidar com a culpa, sentindo-se envaidecido e superior por conseguir dar
mais do que recebe”.
(Flávio Gikovate)
Me
identifico bastante com o pensamento do Gikovate, embora tenha algumas
ressalvas. Por exemplo, que cada pessoa se encaixa o tempo todo em um ou outro
tipo. Penso que muitas vezes podemos nos colocar em algumas relações de um modo e ora em outro, talvez dependendo até com que 'tipo' estamos nos relacionando, ainda
que um dos dois prevaleça em cada pessoa na maioria das vezes.
Tomei a liberdade de reproduzir aqui um ótimo texto de Ana Marcia
Mello Pereira, publicado no blog Mulheres.com, em julho de 2005, falando sobre o livro O mal, o bem e mais
além, de Gicovate.
PS: os destaques e grifos são meus
Aliás, eu li e recomendo o livro!
Entre
egoístas e generosos
"Uma trama diabólica divide o mundo entre o egoísmo e
a generosidade, segundo Flávio Gikovate. Quase
todos os casais, amigos e demais relações sociais, fundamentam suas relações
nas trocas estabelecidas entre personalidades mais exigentes, barulhentas,
emocionalmente sensíveis (? ) e outras, mais maduras, compreensivas ao extremo.
A novidade, no entanto, de acordo com ele, é que os generosos não são tão bons assim, nem os egoístas tão maus.
Sua hipótese é de que as diferentes reações a sentimentos humanos, como a vaidade, a inveja,
a culpa e a humilhação, acabam por determinar o perfil das pessoas.
Entretanto, o fato é que tanto uma como a outra posição indicada acima, uma
depende da outra. Não há melhor nem pior.
Em 1976, ele escreveu que existiam dois tipos de
associações amorosas: uma baseada na semelhança e outra na diferença. A maioria
dos relacionamentos afetivos se dá entre pessoas antagônicas. A moda é falar em
alma gêmea, mas, na prática, os opostos
é que se atraem. Essa atração tem várias causas, como: baixa auto-estima
(não gostar do seu jeito e valorizar o do outro) e medo de se apaixonar intensamente, já que a paixão se dá entre as pessoas parecidas, semelhantes.
A paixão é o amor
intenso associado a um medo também intenso. O coração não bate por amor, mas por medo. Muitos
acham que, quando a paixão passa, o amor diminui, o que fica menor é o medo. Mas, de que ? Medo da felicidade. Muitas
paixões não suportam isso. Ele surge quando estamos no meio de uma coisa
boa e temos a impressão que algo ruim vai acontecer. Assim, muitos preferem se ligar a alguém antagônico, diferente,
irritante mesmo, pois quando as afinidades são grandes, a paixão fica enorme, o
pânico se instala e as separações podem ocorrer por conta disso.
A relação entre pessoas egoístas é impossível,
devido às inúmeras brigas. Esta acontece geralmente entre os generosos, que por
fim deixam de sê-lo. Seria perfeito se o generoso, tão atrapalhado, como
qualquer ser egoísta, aprendesse a receber.
Os egoístas são
estourados, extrovertidos, ciumentos, se autopromovem, não conseguem ficar
sozinhos e não toleram a frustração. Para que isso não aconteça, são capazes de
passar por cima do direito dos outros. Ficam assim, com uma visão unilateral do mundo e
perpetuam seu padrão egocêntrico. Embora
não gostem de demonstrar, são invejosos. Sabem que são um blefe, mas fingem superioridade. Podem botar
banca, mas são fracos. Precisam receber mais do que geralmente recebem.
O generoso é o
inverso.
Não reagem, nem quando deveriam. Não
gostam de provocar dor nos outros. Portanto, aceitam docilmente uma série de
contrariedades. Falam sim, quando gostariam de dizer não. O elogio estimula sua vaidade. É um truque
para se sentir bem e superior com a sua fraqueza. Sente inveja do egoísta,
que é capaz de dizer não e aproveitar os prazeres da vida, enquanto o generoso
é cheio de pudores e constrangimentos. Pais
costumam reforçar o comportamento de generosidade e egoísmo de seus filhos,
comparando uns com os outros.
No poder a generosidade é praticamente impossível.
No entanto, pode haver uma aliança nas elites entre os dois. Além disso, nem
todos os amigos são generosos. As pessoas mudam de caráter com o passar dos
anos e podem piorar.
Mas existe uma
alternativa, uma terceira opção. É um sujeito moralmente sofisticado, nem
egoísta, nem generoso, mas que tolera bem as frustrações e não sente culpas
indevidas. É o chamado justo.
Vivemos no auge do
individualismo, mas isso pode ser visto no bom sentido, significando
auto-suficiência.
Nem o egoísta, nem o generoso, são auto-suficientes. O justo é. Ele estabelecerá relacionamentos, onde não haverá jogo de
poder. Não vai dar mais do que os outros merecem, nem receber mais do que dá.
A sociedade tende
para isso. Existem cada vez mais pessoas vivendo sozinhas no mundo. O
indivíduo só, será mais auto-suficiente, irá consumir menos, pois sua vaidade
não precisará de tantos apelos externos. Estará mais perto da felicidade
democrática, justa e amorosa, e distante da aristocrática, que valoriza a
beleza, a riqueza e a inteligência e despreza a pobreza, a feiura e os poucos
instruídos, condenando-os a infelicidade.
Para alcançar o mundo dos justos, todos têm que
evoluir. As relações de qualidade, tanto de amizade quanto amorosas, serão as
únicas estáveis. Filhos educados por modelos não concorrentes, ficarão mais
legais. É estupidez achar que uniões sem
brigas são entediantes. A vida é chata para pessoas igualmente chatas. O tédio
tem origem na falta de reciclagem das pessoas e das relações.
O generoso é esperto, pois faz alianças de alta
conveniência. Associam-se aos egoístas para se beneficiar muitas vezes de sua
falta de caráter, passando sempre por bonzinho, quando geralmente é um
oportunista disfarçado, ou seja, dá casa bonita para a família, mas mora nela e
tem muita dificuldade de abrir mão dela, quando em caso de separação."
por Ana Marcia Mello
Pereira
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