texto

.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Egoísmo e Generosidade: dois lados do mesmo mal


“Cada vez foi ficando mais claro para mim que a humanidade se divide nesses dois grupos em todos os aspectos: o egoísta, que recebe mais do que dá, e o generoso, que dá mais do que recebe. E que a generosidade não é virtude, mas um falha tão grande quanto o egoísmo”, constata. “O egoísta não tolera frustrações e contrariedades, é mais estourado e agressivo e procura sempre arrumar um jeito de levar vantagem, porque a vida dura não é parte de seu psiquismo. O generoso, por sua vez, não consegue dizer ‘não’ quando solicitado porque não saber lidar com a culpa, sentindo-se envaidecido e superior por conseguir dar mais do que recebe”. 
(Flávio Gikovate)

Me identifico bastante com o pensamento do Gikovate, embora tenha algumas ressalvas. Por exemplo, que cada pessoa se encaixa o tempo todo em um ou outro tipo. Penso que muitas vezes podemos nos colocar em algumas relações de um modo e ora em outro, talvez dependendo até com que 'tipo' estamos nos relacionando, ainda que um dos dois prevaleça em cada pessoa na maioria das vezes. 

Tomei a liberdade de reproduzir aqui um ótimo texto de Ana Marcia Mello Pereira, publicado no blog Mulheres.com, em julho de 2005, falando sobre o livro O mal, o bem e mais além, de Gicovate. 

PS: os destaques e grifos são meus 

Aliás, eu li e recomendo o livro! 



Entre egoístas e generosos

"Uma trama diabólica divide o mundo entre o egoísmo e a generosidade, segundo Flávio Gikovate. Quase todos os casais, amigos e demais relações sociais, fundamentam suas relações nas trocas estabelecidas entre personalidades mais exigentes, barulhentas, emocionalmente sensíveis (? ) e outras, mais maduras, compreensivas ao extremo. A novidade, no entanto, de acordo com ele, é que os generosos não são tão bons assim, nem os egoístas tão maus.
Sua hipótese é de que as diferentes reações a sentimentos humanos, como a vaidade, a inveja, a culpa e a humilhação, acabam por determinar o perfil das pessoas. Entretanto, o fato é que tanto uma como a outra posição indicada acima, uma depende da outra. Não há melhor nem pior.
Em 1976, ele escreveu que existiam dois tipos de associações amorosas: uma baseada na semelhança e outra na diferença. A maioria dos relacionamentos afetivos se dá entre pessoas antagônicas. A moda é falar em alma gêmea, mas, na prática, os opostos é que se atraem. Essa atração tem várias causas, como: baixa auto-estima (não gostar do seu jeito e valorizar o do outro) e medo de se apaixonar intensamente, já que a paixão se dá entre as pessoas parecidas, semelhantes.

A paixão é o amor intenso associado a um medo também intenso. O coração não bate por amor, mas por medo. Muitos acham que, quando a paixão passa, o amor diminui, o que fica menor é o medo. Mas, de que ? Medo da felicidade. Muitas paixões não suportam isso. Ele surge quando estamos no meio de uma coisa boa e temos a impressão que algo ruim vai acontecer. Assim, muitos preferem se ligar a alguém antagônico, diferente, irritante mesmo, pois quando as afinidades são grandes, a paixão fica enorme, o pânico se instala e as separações podem ocorrer por conta disso.
A relação entre pessoas egoístas é impossível, devido às inúmeras brigas. Esta acontece geralmente entre os generosos, que por fim deixam de sê-lo. Seria perfeito se o generoso, tão atrapalhado, como qualquer ser egoísta, aprendesse a receber.
Os egoístas são estourados, extrovertidos, ciumentos, se autopromovem, não conseguem ficar sozinhos e não toleram a frustração. Para que isso não aconteça, são capazes de passar por cima do direito dos outros. Ficam assim, com uma visão unilateral do mundo e perpetuam seu padrão egocêntrico. Embora não gostem de demonstrar, são invejosos. Sabem que são um blefe, mas fingem superioridade. Podem botar banca, mas são fracos. Precisam receber mais do que geralmente recebem.

O generoso é o inverso. Não reagem, nem quando deveriam. Não gostam de provocar dor nos outros. Portanto, aceitam docilmente uma série de contrariedades. Falam sim, quando gostariam de dizer não. O elogio estimula sua vaidade. É um truque para se sentir bem e superior com a sua fraqueza. Sente inveja do egoísta, que é capaz de dizer não e aproveitar os prazeres da vida, enquanto o generoso é cheio de pudores e constrangimentos. Pais costumam reforçar o comportamento de generosidade e egoísmo de seus filhos, comparando uns com os outros.
No poder a generosidade é praticamente impossível. No entanto, pode haver uma aliança nas elites entre os dois. Além disso, nem todos os amigos são generosos. As pessoas mudam de caráter com o passar dos anos e podem piorar.

Mas existe uma alternativa, uma terceira opção. É um sujeito moralmente sofisticado, nem egoísta, nem generoso, mas que tolera bem as frustrações e não sente culpas indevidas. É o chamado justo.
Vivemos no auge do individualismo, mas isso pode ser visto no bom sentido, significando auto-suficiência. Nem o egoísta, nem o generoso, são auto-suficientes. O justo é. Ele estabelecerá relacionamentos, onde não haverá jogo de poder. Não vai dar mais do que os outros merecem, nem receber mais do que dá.

A sociedade tende para isso. Existem cada vez mais pessoas vivendo sozinhas no mundo. O indivíduo só, será mais auto-suficiente, irá consumir menos, pois sua vaidade não precisará de tantos apelos externos. Estará mais perto da felicidade democrática, justa e amorosa, e distante da aristocrática, que valoriza a beleza, a riqueza e a inteligência e despreza a pobreza, a feiura e os poucos instruídos, condenando-os a infelicidade.
Para alcançar o mundo dos justos, todos têm que evoluir. As relações de qualidade, tanto de amizade quanto amorosas, serão as únicas estáveis. Filhos educados por modelos não concorrentes, ficarão mais legais. É estupidez achar que uniões sem brigas são entediantes. A vida é chata para pessoas igualmente chatas. O tédio tem origem na falta de reciclagem das pessoas e das relações.
O generoso é esperto, pois faz alianças de alta conveniência. Associam-se aos egoístas para se beneficiar muitas vezes de sua falta de caráter, passando sempre por bonzinho, quando geralmente é um oportunista disfarçado, ou seja, dá casa bonita para a família, mas mora nela e tem muita dificuldade de abrir mão dela, quando em caso de separação." 
por Ana Marcia Mello Pereira


Nenhum comentário: